Vou entrevistar minha mãe.
É.
Na próxima vez em que nos encontrarmos.
Preciso desesperadamente conversar com ela sobre a minha infância. Digo, sobre a época em que eu era uma criancinha adorável e ela era a minha mãe e, pelo menos para mim, só isso. Queria saber se isso acontece com todas vocês ou se é coisa minha apenas. Lembro-me da minha mãe assim, bem mãe mesmo, como é hoje ou com diferenças muito sutis.
Dia desses me peguei pensando, e não foi a primeira vez, no quanto acredito estar vivendo meus trinta e poucos anos de maneira diferente do modelo que tinha em mente. Primeiro que, aos 8 anos, quando pensava no tão esperado ano 2000, eu ‘realizava’ que naquele ano eu teria exatos 23 e aquilo me colocava em pânico, como se após os 20 a vida já tivesse sido todo o possível, algo perto do fim. Coisa de menina, acho. Além disso, por mais que soe egoísta, pouco me recordo do que minha mãe fazia quando tinha a minha idade ou perto disso. Qual era a dela, sabe?
As nossas mães de trintas e quarentas divertiam-se em cursos de culinária e agendando e organizando jantares - e a minha mãe era ótima nisso. Acompanhavam-nos em cursos e nos eventos da escola. Eram conhecidas entre os professores e acompanhavam de perto o nosso desenvolvimento e rotina escolares. Talvez por isso tenhamos crescido tão brilhantes e bem sucedidas.
Mas, como se divertiam? Brincavam conosco no parque e na piscina. Faziam castelos na praia e nos deixavam brincar de cozinhar. Até fingiam não saber que usávamos suas roupas e acessórios em nossas brincadeiras quando não estavam em casa.
E por elas? O que faziam de divertido entre elas? Aquelas mulheres de 30 e tantos anos, tão sérias e comprometidas com sua família e, já não era raro, trabalho. Sérias. É isso. É assim que me lembro. Intocáveis, de certa forma. Eram lindas. Sem progressiva ou drenagem semanal.
E não era a minha mãe. Eram as mães. Ah, lembro-me de que todas eram mães. Senhoras causadoras do sucesso da família. Pareciam fazer a casa funcionar como em um toque de mágica. Maduras e responsáveis. Como as imaginaríamos saltando de pára-quedas ou fazendo cursos de strip tease? Nunca.
Tipo, na boa, a sensação é a de que não cresci.
Nunca chegarei lá.
Será?
Isso porque nós, mulheres de trinta e poucos anos de hoje, decidimos viver a vida com uma deliciosa e saudável pitada de Síndrome de Peter Pan. Estou errada? Olhe pra você. Você tem uma carga semanal inimaginável de trabalho, mas tira a quarta à noite para sair com “as meninas”. Segura a onda com as contas, mas tem sempre uma lingerie surpresa pra adoçar sua vida com o cara de tantos e tantos anos de hoje. Impossível comparecer a todas as reuniões e apresentações da escola, mas sentar no chão da livraria, fazendo vozes pra dar realidade aos contos que divertem vocês dois igualmente é um prazer de que não abre mão. Você veste rosa e usa tiara de lacinho no cabelo e sua apresentação sobre aquele novo projeto no trabalho é, ainda assim, um sucesso. Incrível como sabe muito mais sobre dinossauros do que em qualquer véspera de prova de ciências no passado. Você lambe a tampinha do iogurte. Anda de patins no parque e lê livros sobre estórias que gostaria que acontecessem. Curte os games do celular e, sem fazer segredo, mantém sempre a gaveta do criado mudo munida de papel e lápis de cor.
Você desenha com giz de cera no box durante o banho. E pode ser que nem filhos tenha. Dá um jeito de jogar frescobol com os sobrinhos na praia e diz que o DSi faz parte de uma pesquisa para aproximá-la de seus alunos. Adora o McQueen e ainda acredita que é a cara da She-Ra. Contagiantes suas gargalhadas de satisfação ao rolar na grama na chuva, mesmo que tenha que refazer a escova.
Faz careta e dá língua pro colega de trabalho que acha um absurdo trocar o almoço pela unha. Você tem suas prioridades, ora.
Essa conversa passa longe de querer criticar o que foram ou o que somos. Eis aqui apenas uma celebração a mudanças. Uma homenagem àquelas mulheres que mudaram nossas vidas e nos transformaram no que somos. Um brinde a nós, que encontramos jeitinhos de transformar o que há de se viver no que há de se curtir.
Às Meninas de trinta e poucos anos.