16.12.10

O Colecionador




Léo colecionava pessoas. Tinha em seu quarto prateleiras e mais prateleiras repletas de figuras ilustres e ordinárias, todas misturadas, sem muito critério de organização. Femininas e masculinas, como se o propósito fosse realmente apenas o acúmulo, o número, a quantidade.
Um dia, questionado por uma criança que não entedia o porquê de um adulto colecionar ‘brinquedinhos’ assim, Léo falou de seus ‘bonequinhos’. Disse o quanto a coleção era rara e o quanto havia sido prazeroso e, ao mesmo tempo, trabalhoso levantar aquele número.
“Há quem me divirta com sua tolice e ignorância. E a esses nada mais devo do que a última fileira da prateleira lá de baixo. Aquela sem destaque algum. Que ninguém enxerga e na qual ninguém quer mexer.
Os que apenas me seduzem por tamanha beleza ficam ali, veja bem, logo a sua frente. Mas bem no alto, pois lindos e plasticamente perfeitos, logo me cansam com sua obviedade e não mais agüento mira-los diretamente. Os vazios estão nessa mesma prateleira, mas na fileira lá de trás. Nem podemos vê-los, percebe?”
A criança achou que começava a entender aquela idéia absurda e prosseguiu, “Você deve gostar da prateleira do meio.”
“Agradáveis são essas aí. Estão sempre acessíveis e é muito bom que assim seja. Trazem-me conforto e segurança. Lutei e lutaria novamente por elas. Não mexa. Deixe-as aí.”
“E por que aquela está vazia? Também, logo abaixo da janela?”, curioso.
“Ah, criança. Ali é o lugar dos escorregadios. Dos que a mim intrigam a cada momento e por quem luto ao mesmo tempo em que deles fujo. Nessa prateleira está o que me desafia e o que me tenta. O que quero e do que corro. Há dias em que está cheia. Hoje está tudo bem. Está tudo tranqüilo.
Agora vá. Brinque com seus próprios bonecos.”

Um comentário:

Cela disse...

Então, gosto de ter o que me agrada e dá prazer bem pertinho mesmo :-) ... o Léo também.E, ainda, sob controle. ui... Beijo.